CHEGAR É NASCER





Sim, chegada é nascimento, (re) encontrar os outros é fazer nova família.
Sempre que se chega em um novo lugar-casa-gente-espaço o peito se despolui da poeira antiga, de ranços passados. Dentro da palavra chegar cabe tantas coisas, ela tem peso, altura e largura que abraça, é uma palavra corpo. Meus filhos não nasceram de mim, mas chegaram pra mim e chegar é se ver de perto e se ver de perto pela primeira vez é nascer um pro outro. São meus filhos desde o dia que nasceram meus, e minha família se fez mesmo nascendo longe, porque a chegada estava próxima, bem perto. É difícil definir com clareza quantas possibilidades de família existem e "convencer" os outros de que você pariu seus filhos mesmo estando ausente no dia do parto.  
Quando vi meus filhos pela primeira vez, senti uma dormência no corpo, tal como dizem sentir as mulheres logo depois de parir, era a chegada deles em nossas vidas. Assim como se faz força para dar a luz, meu corpo fez força, minha alma fez força, em cada etapa do processo de adoção, em cada entrevista com a psicóloga e a assistente social, fiz força durante três anos: meus olhos se esforçavam para visualizar como seriam meus filhos: cor do cabelo, dos olhos, da pele, da boca, como seriam suas mãos, seu olhar, seu tamanho, o volume da voz, quantos anos teriam quando CHEGASSEM pra nós, e esperar por essa CHEGADA foi o maior esforço de todos, era gravidez sem data e nem proximidades marcadas, era espera sem poder contar o tempo, eu e o marido achávamos o tempo um "deus" malvado,  e precisamos fazer força até para nos mantermos unidos como casal, a vida pedia pra gente andar e o queríamos era voar. Sempre tínhamos pressa de que amanhã chegasse, e que hoje já fosse ontem, era um esforço tremendo respeitar o tempo........... e quando chegou a hora do parto, depois de ver as carinhas dos filhos, o corpo amorteceu, o AMOR TECEU. 
Definir família é tarefa singular que depois vira plural, tantas vezes precisamos juntar pedaços de nós por aqui e por ali para só depois saber quem somos e quem são os nossos pares e ímpares, vamos juntando e ajuntando tanta coisa e tanta gente pelo caminho. 
Os laços consanguíneos nem sempre são os mais fortes, e também não são, para muitos, compromisso de amor e zelo. Não preciso lhes contar tudo o que meus filhos passaram com seus pais biológicos, mas posso lhes dizer que muitas vezes os enxerguei nas lágrimas dos nossos pequenos. Nossa filha nos conta de algumas lembranças doloridas que tem, nós pais: filtramos os fatos, atribuindo-lhes uma escala de valores que vai do que é banal até o que é imprescindível,  ela tem testemunhos e as vezes sussurra coisas no meu ouvido, como se me dissesse: só vou contar isso pra ti... acho que dói menos. Não costumamos falar dessas coisas, elas nem cabem mais em nós, mas se ela deseja, e cada vez foi desejando menos, falamos, sabemos que deve passar, basta tempo e as vezes silêncio. Em nenhum momento concordamos com ela quando acha que nunca foi amada ou cuidada quando morava com seus pais biológicos, pelo contrário, lhe contamos o quanto somos gratos por eles terem dado a ela e ao irmão o dom da vida, porém, internamente sabemos que foi só isso que fizeram, nós agora é que somos a FAMÍLIA deles, pertencemos uns aos outros num amor sem fim, e eles, meu filhos,  resilientes que são, têm mais espaço para felicidade do que pra tristeza.
Existem tantos lugares dentro e fora da gente, nos desapegamos de nós mesmos com tanta frequência que nem nos damos conta, somos família e deixamos de ser conforme o que vamos vivendo, conforme os encontros que temos com gente, bicho e lugar. Nesse construir e desconstruir da família, um mundo de coisas acontecem, saímos e entramos no olho do furacão incansáveis vezes, e aos pedaços ou inteiros vamos sinalizando nosso caminho, fundando placas que nos direcionam ora pra cá, ora pra lá, ora pra frente, ora pra trás....... sem deixar de olhar as placas alheias e as novas possibilidades de escolhas.  É pela desordem que organizamos a vida, é o universo que provê, sem esquecer que: ele não dá, mas devolve! O cenário da vida pode mudar muitas vezes, nós (os atores) também. Foi isso que fiz depois de me dar conta de que engravidar era palavra bem maior e que significava mais do que ter um filho no ventre, a adoção foi um recomeço sem medo, com a expectativa  e a certeza de que era esse o caminho, era a escolha mais bonita, mais verdadeira e que iria nos levar ao encontro dos nossos filhos. E como todo o recomeço, a adoção nos trouxe viço novo, amor novo, conceitos novos, e se assim posso nomear, nos trouxe: espiritualidade nova, novos guias, orixás, santos,  entidades, um novo jeito de ver e sentir Deus, um novo sopro de força, e a gratidão por entender que o mundo tem seus mistérios. Não salvamos nossos filhos de nada, nem tão pouco fizemos caridade, a CHEGADA deles foi como um abraço forte depois de de sentir muita dor. 
Sou tão grata pelas possibilidades que a vida nos dá de construir a família que a gente ama. 
Somos rios de encontros, somos ávidos, somos tantos e com tantas possibilidades......... encurtar-nos com definições de família é como podar as possibilidades de amar!


Dos Preconceitos Com a "Dona de Casa"







Escrevo sobre as coisas que acontecem na vida, pois elas nos ajudam a entender esse mundo e a partir delas podemos reconstruir nosso conceitos... ou não. 
Eis que numa mesa com amigos e conhecidos, um deles diz: "e então, vamos conversar sobre carros ou sobre direito?" Isso porque estávamos ali entre homens que trabalham no ramo automobilístico,  suas esposas que são advogadas e eu da área das Artes, no momento "dona de casa". Me pronuncio: por que não podemos falar de Arte? E outra pessoa responde com um sorriso em grau de deboche: "da arte de ficar em casa?" Pronto, ele acabava de chegar exatamente onde eu queria, começamos então (todos) a discutir sobre a "arte de ficar em casa", de ser "dona ou dono de casa". No meio da conversa surgiu até o nome Amélia, a pessoa que o citou talvez nem saiba que esse termo já é até verbete de dicionário, mas provavelmente conheça o samba de  Ataulfo Alves e Mário Lago. Amélia há tempos deixou o posto de substantivo próprio e passou a ser substantivo comum, pois reconhecidamente se trata de uma "moça sem a menor vaidade" vivendo à sombra do marido, da família e da casa, tudo o que não sou, não pretendo ser e tenho certeza que muitas outras mulheres não são e nem pretendem ser. Outra pessoa diz: "ficar em casa. quanto retrocesso Rosane!O assunto foi tomando corpo e constatei que algumas das mulheres pensavam de forma mais machista que os homens, pois em suas falas ficava claro que "mulher de verdade" é aquela que sai de casa todos os dias pra encarar o trabalho lá fora, deixa os filhos na escola, com a babá ou etc, para poder sustentar a família de igual pra igual como o marido, e ainda chega em casa e encara seu terceiro turno: tarefas do lar, filhos... Sendo que a mulher que fica em casa "tem mais tempo livre". Percebi que estávamos na escala da categorização de pessoas. Se essas eram as "mulheres de verdade" as outras então seriam as de mentira? Mas a pior fala ainda estava por vir e veio também de uma mulher: "na verdade a mulher que fica em casa trabalha muito, até mereceria receber um salário por isso, mas acontece que fica """emburrecida"""", suas atividades passam a ser lavar, passar, cuidar dos filhos, fazer comida, ajudar com as tarefas da escola, bla, bla, bla e acabam esquecendo do mundo lá fora e até mesmo de si mesmas" e ainda acrescentou algo mais ou menos assim: "sem falar que ficam em casa as que são muito ricas e têm esse """privilégio""" ou aquelas que são muito pobres e não têm emprego ou qualificação para trabalhar fora". E a pessoa que deu início a esse enredo todo falou: "por isso que eu disse se íamos falar de carros ou direito", querendo dizer que: os assuntos de "casa" são desinteressantes. Estávamos em nove pessoas, quatro delas se posicionaram dessa forma, ainda bem que eu e as outras quatro nos posicionamos bem diferente disso. Perguntei aos mais entusiastas ao machismo (confesso que fiz isso de maneira esnobe)  se conheciam uma porção de livros que eu já havia lido, citei algumas autoras mulheres: Carolina Maria de Jesus, Alice Ruiz, Chimamanda Adichie, Adélia Prado, Marina Colasanti, Simone de Beauvoir, entre outras, perguntei se já tinham visto as exposições de arte que eu vi, se já tinham ido a tantos espetáculos de dança e teatro quanto eu fui, se já tinham parado pra olhar pro lado e ver que o mundo é bem maior do que imaginamos ou desejamos... arrematei: e pra aqueles que acham que quem fica em casa não trabalha, convido a passar um dia comigo, e já adianto: cedinho da manhã recolhemos os cocôs dos cachorros lá fora, que são muitos, grandes e fedidos, e a propósito fazemos isso com um sorriso no rosto!!
É importante tomar cuidado para evitar certas posturas de culpabilização feminina, nem todas as mulheres que se dedicam aos afazeres domésticos e outras atividades caseiras tem postura "machista", há muitas mulheres com carreiras executivas que ainda enxergam a vida através das lentes patriarcais, e acabam sendo mais submissas do que as "donas de casa", e ao contrário do muitos pensam:  cuidar dos filhos, da comida, das coisas da casa, não emburrecem ninguém, o que emburrece é manter vivo um conceito de que só se pode ser feminista, politizada, inteligente, dona de si quem trabalha fora, emburrece o desconhecimento de tudo o que envolve as tarefas domésticas e das atividades com os filhos pequenos. Há um envolvimento do tamanho do mundo e com o mundo ao se desempenhar todas essas funções.
Há algum tempo mulheres foram queimadas numa fábrica, mulheres não tinham o direito ao voto, nem aos estudos, muito menos ao trabalho fora de casa. Hoje já se conquistou parcialmente a igualdade de direito entre os sexos. No mercado de trabalho, na política, na economia, na sociedade, as mulheres são mais valorizadas, e as tarefas domésticas, que antes eram delegadas somente às mulheres passou a ser também tarefa dos homens, aplausos de pé para tudo isso, e sabemos o quanto ainda precisamos vencer preconceitos machistas e apequenados a respeito das mulheres. Já que se venceram tantas coisas por que não superamos esse novo/velho conceito de que se eu varrer a casa, cuidar dos filhos, fazer comida estarei traindo o feminismo, deixarei de ser ativista, ficarei burra, escolher ficar em casa (no meu caso por um tempo) não é retrocesso é um direito de toda e qualquer pessoa (homem ou mulher) que assim puder e desejar fazer. Acredito que o ativismo se dá de dentro pra fora, seja em qual esfera for, suas vertentes se estendem e se ampliam dentro ou fora de casa. Trabalhei fora desde meus 17 anos, estudei, criei, fiz muitas coisas, deixei marcas no mundo, nas pessoas... pretendo voltar, tenho projetos sendo executados nas madrugadas livres, estou com 44 anos, escolhi ficar um tempo em casa com os filhos, tenho um marido que trabalha fora e quando chega em casa trabalha mais ainda me ajudando com todas as atividades que envolvem uma casa, uma família, não sou obrigada a escutar: "que retrocesso Rosane!" Estamos num momento em que se discute muito a constituição familiar, essa defendida por muitos: papai (homem), mamãe (mulher) e filhinhos não é a única e nem nunca será, sou a favor da FAMÍLIA/AMOR seja ela composta de qualquer forma, gênero, classe, raça e principalmente construída com bases LIBERTADORAS. Lembram das mulheres que atearam fogo em seus sutiãs? Eu aqui da minha casa, apoio de corpo e alma essas labaredas, e por isso mesmo me dou o direito da ESCOLHA, estou aqui, por um tempo, formando cidadãos que respeitam a vida, o planeta, as pessoas... ao mesmo tempo estudo muito, leio muito, escrevo muito e preciso falar: estou aprendendo tanto quanto quando eu saía de casa todos os dias as sete horas da manhã. Não precisaria dizer isso mas quero dizer: meus filhos são muito inteligentes, têm posturas sensíveis frente a vida, são expressivos e felizes, meu filho menino brinca de casinha junto com minha filha menina e ele ajuda a cuidar das bonecas, limpa a casa, busca os filhos na escola, tudo isso brincando e APRENDENDO. Meus filhos me reconhecem como alguém admirável, que pinta, desenha, escreve, fotografa e cuida deles, dos bichos e da casa, sabe que trabalhei fora sempre, admiram tudo o que já fiz e sabem de tudo o que ainda pretendo fazer. Os dois observam o pai ajudando nas tarefas domésticas com a maior naturalidade, como deve ser, não há espanto algum ao vê-lo desempenhando papéis ditos como de "mulherzinha". Brincamos, lemos e contamos muitas histórias, cantamos, dançamos, escrevemos, escutamos, choramos, damos risada, pintamos, desenhamos, criamos, cuidamos uns dos outros, dos bichos, do pomar, da horta, vamos ao teatro, ao cinema, a mostras de arte, ao parque, limpamos, lavamos, cozinhamos, brigamos, pedimos desculpas, brigamos de novo, nos amamos, amamos os outros, trabalhamos... e assim vamos ateando fogo (aos sutiãs) de preconceitos e categorizações.






Dia Bom, Dia de Inventar

A escola que me perdoe, mas amo quando a filha fica em casa... a gente inventa alguma coisa pra fazer: bolo, pipoca, desenhos, pinturas ou enfeites para as árvores do pomar. 




O dia estava lindo, fomos todos pro lado de fora da casa, lado de fora da vida, carregados de apetrechos para fazer nossas atividades "artísticas", o filho só na curiosidade e mexendo por tudo, dedo na cola, puxando as fitas e por aí a fora!




Enquanto isso a filha seguia concentradíssima em suas feituras, ansiosa para ver o primeiro pronto. Eu: ora fotografava, ora ajudava, ora brincava com o filho...









A Raquel terminando os detalhes, cola, fitas, vontade de fazer, alegria em fazer, assim inicia um bom trabalho, qualquer que seja, se a gente deseja fazê-lo, tudo fica mais prazeroso.













Ó ela feliz da vida com o resultado, ficou lindo... ele dança com o vento, embala a gente também, dá pra imaginar uma melodia, ou cantar, e foi o que ela fez, cantou pra ele dançar!




Esse foi só primeiro faremos mais, nossas árvores todas terão seu "dançante".









Por hoje é isso, meus escritos sobre a vida nessa caixinha de sapato virtual de guardar lembranças acabam com esses sorrisos, que iluminam a gente por dentro... fazem clarão na alma.










Beijo afetuoso, abraço demorado e até mais, logo ali!







Dona do Meu Tempo... é o que Tento





Numa tarde por aqui,  perfume que se espalhou pela casa me fez querer dividir tudo isso com vocês. Dia de de sol e frio fiz pão de centeio e geleia de damasco, imaginem o aroma dos damascos com laranja e canela fervendo no fogo, imaginem o cheiro bom de pão assando, e pra deixar a vida mais aromática ainda fiz um chá de laranja com canela em pau e cravos da índia... sentiram?

Primeiro fiz parte da massa do pão: 
150g de farinha de centeio
5g de fermento biológico fresco
150ml de água morna
Mistura tudo e deixa crescer por uns 40 minutos.





Depois acrescenta em torno de 150g a 200g de farinha branca, mais 5g do mesmo fermento,  1 colher de sopa generosa de melaço de cana de açúcar ou açúcar mascavo, 1 colher de chá generosa de sal, casca ralada de um laranja média bem lavada (ralar toda a casca da laranja até começar aparecer o branco). Mistura tudo, acrescenta água até ficar num ponto bom para sovar, ela não pode ficar muito dura, o ponto ideal é mole e desgrudando das mãos, se precisar acrescenta mais farinha. Deixa crescer por 1h e meia mais ou menos...







Enquanto isso fiz a geleia de damasco, fácil de fazer e perfuma a casa toda...
A delícia de fazer geleia em casa é que não colocamos conservantes químicos e nesse caso não coloquei açúcar, geleia sem açúcar tem um nome bem lindo: rapsódia... mas quem quiser coloca açúcar tá?! Fica deliciosa também.
Então vamos a rapsódia perfumada: 1 xícara de damascos secos cortados em pedaços pequenos, gostamos assim, mas quem preferir pode bater no liquidificador com um pouquinho de água, 3 xícaras de água, 1 xícara de suco de laranja com os gominhos, mas sem as sementes e uma rama de canela em pau. Os gominhos tem uma função importante: eles liberam uma certa "gelatina"e deixam a geleia mais consistente. Quem optar por colocar açúcar: 3 colheres de sopa generosas. Coloca tudo numa panela e cozinha por 40min, mexendo as vezes.










Tento seguir a vida fazendo do tempo um aliado e não um inimigo, Tarefa fácil? NADA!! Mas sigo a risca o que minha amiga Fernanda Reali me disse uma vez: "temos toda a eternidade para descansar". Enquanto o filho dormia, a geleia cozinhava, o pão crescia, vi toda aquela sobra de laranja que usei para o suco... Fiz um chá delicioso e aromático, ficou muito bom, um pouco amargo, eu amo assim, para não ficar amargo tire as cascas das laranjas, ou melhor, do que sobrou delas. 





Ó a lindeza disso... sente o perfume disso...
e são só: sobras de laranja, canela em pau, cravo da índia, açúcar mascavo ou mel, um pedacinho de gengibre, leva ao fogo para ferver uns 5 minutos. 






Tomei um chá e me reabasteci de energia e afeto com o mimo feito na xícara coisa da minha amiga Bela e o tapetinho charmoso foi carinho dado a mim pela doce Rosana Remor.




O filho acordou, e a geleia já estava pronta, enchi ele de beijos, lhe dei uns brinquedo e coloquei o pão na forma para crescer mais 1 hora, tirei a geleia da panela, esterilizei o vidro com água fervente, coloquei a geleia nele e... fomos ao parque, um pertinho de casa.






Quando voltamos o pão já estava enorme, imaginem só resistir a isso... teve dedinho colocado no pão sim senhor.







Filha na escola, marido trabalhando... pão para o forno, mãe entre lá fora e aqui dentro, mãe e filho a brincar, no meio disso: lavar a louça, secar, guardar com o Enzo por aqui dentro e lá fora com a cachorrada, entre botina e pantufa a vida segue.










Juro que eu queria dividir com vocês um pedaço desse pão, esse aroma... deixaria vocês darem uns beijos nos filhos também, mas por ora dividimos por aqui "pequenas/grandes" felicidades em imagens e palavras.




Não temos uma família perfeita, bem longe disso, temos muitas dúvidas, poucas certezas, como pessoa, mulher, mãe, esposa... tenho mais perguntas do que respostas, mas algumas coisas eu aprendi ao longo dessa vida: nossas escolhas nos revelam, nos definem, tenho escolhido uma vida simples, sem ser simplória, uma vida mais natural do que a que vejo estampada nas lojas, mercados e mundo a fora. Se estou certa? Não sei, mas me sinto feliz desse jeito.



Um beijo do tamanho do mundo pra vocês.
Grata total pelo carinho e respeito.



 




A liberdade



Um vento forte e persistente, mais que nunca, tem soprando dentro de mim, o vento da liberdade, das escolhas além daquelas comuns e habituais e sabe de uma coisa: a gente paga um preço por isso... Escolher criar os filhos longe do consumismo, de tudo aquilo que nos parece ser superficial, optar por uma vida mais simples e mais natural aos olhos de alguns é "demagogia", "naturebismo demais", "isolamento do mundo", "criação de ETs", "geração banana", "bicho grilo" e por aí a fora. Algumas pessoas chamam o Enzo de "tadinho" por nunca, ainda, ter chupado um pirulito, ele só tem três anos, tem uma vida toda pela frente para fazer escolhas... Eles comem doces e "porcarias', as vezes, bem pouco, pois já conversamos sobre todos os malefícios que essas "delícias" trazem pra vida, conversamos também sobre as datas comemorativas como: Páscoa, Natal, Dia das crianças, etc e sua real importância. Tentamos produzir coisas juntos, que depois podem ou não se tornarem presentes, mas a importância é dada ao fazer, ao construir, ao refazer, reconstruir, reaproveitar, reutilizar, doar, e principalmente ao se desapegar do material e se guiar por um sentimento maior, de livre escolha. 
Pesquisando alguns temas sobre a infância um dado me alarmou; "as crianças de hoje são mais fracas do que as de dez anos atrás", devido a sua falta de movimento, sua má alimentação, seu pouco contato com a natureza, entre outras coisas. As escolas de educação infantil têm constatado muitas fraturas de braços, pernas, ossos em geral devido a quedas, o mesmo acontece em casa. Pesquisas revelam que a maioria das crianças de hoje é menos resistente e cansa rapidamente. Essas mesmas crianças têm hábitos alimentares péssimos: refrigerantes, doces, salgadinhos, biscoitos recheados, muito pouco ou nada consomem de verduras e frutas, pouco ou nada se exercitam, pouco ou nada têm de contato com a natureza. Então vou seguindo com minha criação de ETs, dá um trabalho enorme plantar tudo isso, mas a colheita é boa, bonita e possivelmente os envolvidos saberão fazer boas e bonitas escolhas.
Meus filhos são muito parecidos comigo, isso tem sido mais intenso do que eu poderia imaginar, talvez por ter vivido tanto tempo a espera deles, por ter tido esse desejo adiado inúmeras vezes eles chegaram tal e qual o jeito da mãe, numa outra “configuração”... Ou será que essa história é mais antiga? As vezes me pergunto: se já estivemos juntos em outro tempo, se é que esse tempo existiu, se é que houveram outras vidas, não sei... Mas há algo muito forte que me liga a eles, um sentimento que não sei explicar, sei o que sinto: os laços são criados ao longo da vida, independentemente se os "enlaçados" têm algum grau de consanguinidade ou não, há algo maior nessa vida, bem maior, gigante até. 
Em especial, o Enzo, carrega muito de mim, ele é um apaixonado pela terra, pelos bichos, pela natureza e também, feito eu, é meio "bicho do mato", sair é bom, mas voltar pra casa é tão melhor, somos dois caseiros de corpo e alma, gostamos das mesmas coisas, das mesmas comidas, das mesmas músicas, dos mesmos cheiros, colocamos um reparo "exagerado" em tudo que se diz desse mundo, principalmente o "não humano": bichos, árvores, terra, água, fogo, vento, sol, chuva...  e mais: músicas, livros... sim; amamos gente também. Parece que somos o lado de fora, e o lado de fora entra pra dentro, invade a alma e nos transforma,. Nem sei dizer se ele que aprendeu ser assim comigo, ou se fui eu que me descobri mais assim a partir dele.








Ele lida com os bichos de forma tão amorosa, tão "igual", eu também, nos revelamos por completo e inteiro no meio da bicharada, eu me sinto "tão eu" quando estou no meio deles, não uso nenhuma armadura, não corrijo as palavras, me dispo de todos os pudores, amo sem medo. O filho faz igual, me vejo muito nele nessas horas, eu largo qualquer coisa para estar lá fora, os filhos também. 










E esse menino que imita a mãe e fica descalços pelo pomar, pelo jardim, pela horta... anda descalços pela vida.




















O Enzo tem um sentimento de gratidão pela natureza, faz reverências a ela, a mãe também, pode ser um gesto, uma dança, um sorriso, uma palavra, pode parecer qualquer coisa, de qualquer jeito, mas sabemos que é gratidão.











Eu, as vezes, eu sinto que Deus mora nos meus pés, e dessa raiz que emana uma força divina que me conecta com o mais nobre sentimento: o amor, e o amor é oração viva. Sinto que isso acontece com os meus filhos também, depois de correr e brincar descalços, eles ficam com um olhar diferente, uma luz lhes toma e seus abraços ficam mais fortes, me parece que isso é a conexão direta com o sagrado.





Agora de pés descalços por inteiro e acompanhado de sua fiel amiga de quatro patas a Cacau, é a hora e a vez de sentir a energia que brota da terra, parece até que ela entra nas plantas dos pés, circula pelas vias do corpo, chega na alma e acaba num sorriso.






 Hoje, aqui nessa minha caixinha de sapatos virtual, dessas que se guarda lembranças escrevo que: aos 44 anos me sinto tão livre quanto o vento que falei soprar dentro de mim, há tempos eu sei que a liberdade é muito mais do que o direito de ir e vir. Ela é feita de escolhas, escolhas sem culpa, pois os erros virão, mas o amor, a força do agora, a não banalização da vida, a não padronização dos hábitos que ela nos impõe, o respeito à singularidade e a diversidade, a negação aos rótulos e as caixinhas que insistem em nos colocar e o prazer de se sentir livre para escolher serão maiores que a camada grossa e pesada de dúvidas que surgem no meio da vida. Fazer pão, bolo, batata doce assada, sopa de legumes, plantar o que consome, diminuir a lista do supermercado não rasga nossa fantasia do belo, do imaginário, mas nos mostra um passo diferente, um jeito melhor de andar e de dar as mãos. É isso, nos "escrivinhamentos" anteriores falei do "nascimento" da filha e de tudo o que a vida dela representa para nós. Hoje falei tanto do filho... pois é falo, mais deles do que do resto do mundo né? Escrevo textos longos... Talvez seja ela, a liberdade que tenha me dado esse direito.

Um beijo enorme e um abraço demorado.


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