Gratidão (nascimento - chegada - pertencimento - graça)




Hoje faz quatro anos que nascemos uns para os outros.

Foi parto com dor da espera, sem líquido de placenta, mas foi água-vida tanta que hidratou a secura de todos nós.
Eles não chegaram sozinhos, havia uma história com eles, havia a deles e a nossa, havia os "teus-meus" que precisavam se transformar em nossos e em nós: nós e todos os outros. A filha trazia fragmentos de uma lembrança aqui outra acolá, o jeito foi misturar as vidas: as nossas e as deles, sem desrespeito aquilo que foi vivido até esse encontro, ao contrário de muitos, sempre acreditamos que eles não precisavam se curar de nada e nós tão pouco, era só um novo começo e ninguém precisava se curar de ninguém. Deixávamos ela falar sobre tudo o que tinha vivido até ali, o que nos preocupava era o silêncio, pois a mudez guarda sótãos inteiros, ela tinha só três anos e meio e já  tinha vivido tantas tristezas, parecia ignorar todas elas e com sua voz de menina-bebe disse ao juiz: "a partir de agora é pai novo, mãe nova, vida nova" e disse isso feliz, nós sabíamos que apesar da sua fala a vida de todos que ela havia convivido até ali corriam dentro dela, desordenadamente, mas corriam. Ele tinha apenas oito meses e suas pequenas-grandes vivências foram de dor, mas ele soube ser tão resiliente e tão feliz, ainda é.
Somos tão gratos a chegada-nascimento, foi como se disséssemos sim para a vida e déssemos permissão para ela continuar nesse fluxo lindo que é o fluxo do amor. Um amor de verdade, do fundo da alma e do peito, um amor livre que se permite errar e ser perdoado, porque mesmo o amor ignora uma imensidão de coisas. 

Ser grato ao amor e alargá-lo pelos quatro cantos do mundo todos os dias em pequenas ações, nos fortalece, nos une, não temos pudor nenhum em gritar que somos gratos pelo nosso encontro, que somos melhores depois dele, é coisa escrita, não tem jeito, não costumamos guardar momento de felicidade, ao guardá-lo corremos o risco de estreitá-lo, gostamos todos nós da imensidão, do agigantamento e da força que um sentimento bom pode ter, não somos do tipo que vai vivendo aos poucos, gostamos mesmo é da intensidade de tudo. Vivemos a hora da felicidade com entrega e já fabricando a outra que pode ser ainda mais feliz ou não. Como dizemos por aqui: comemos a vida com gosto e fome e arquivamos as coisas na memória. O nosso nascimento-chegada-pertencimento-graça é até agora o que vivemos de maior, num descuido nos descobrimos mais completos, sentimentos como zelo, afeto, perdão, compaixão, liberdade e respeito têm nos norteado nesse caminho lindo e difícil de ser pai, mãe e filhos, não sabemos um mundo de coisas, muitas delas nem cabem nas nossas vivências.

O amor é parceiro inseparável de todos os dias, é ele que acalma os ânimos do descontentamento, da raiva, da dúvida e do cansaço. Quando tudo dá errado (temos muitos dias assim), recorremos ao amor, ele é remédio que cura, e nem sempre tem gosto doce, o amor as vezes parece bem azedo, mas precisa ser engolido e só lá na frente entenderemos o porquê do azedume, já a cura não se trata de felicidade dia e noite, é felicidade sofrida, conquistada, trabalhada diariamente numa infância livre, numa alimentação saudável, no respeito ao mundo e toda a sua diversidade, na educação libertadora, no contato mais de perto com o que é espiritual, no contato mais de longe com o que é material, no amor pela natureza e todas as suas espécies, no amor pelo outro, é perrengue todos os dias, as vezes não consigo se quer atender um telefonema, muitas vezes fomos dormir as duas da madrugada e acordamos as seis, já fiquei horas segurando os olhos abertos só porque a filha me contava uma coisa julgada por ela de extrema importância, já revezamos a guarda numa noite de febre, já ficamos os dois acordados zelando pela melhora de uma infecção de garganta, já enfrentamos gentes que nos chamam de “caridosos”, deixamos de sair inúmeras vezes para ficar com eles, já escutamos tanta bobagem em nome do “só quero ajudar”, já tivemos que explicar uma, duas, três, dez vezes que eles são nossos filhos e que chegar também é nascer,   já choramos incontáveis vezes nesses quatro anos, choramos de doçura e de azedume, de alegria e de medo.   

Somos basicamente felizes, mas não ignoramos a infelicidade do outro, todos os dias buscamos evoluir em cada coisa dita, feita e vivida, não seguimos alheios ao desamor, ao descontentamento e a desesperança do mundo, porém em alguns casos construímos muros mais altos, criamos rios e margens, evitamos os cantos muito escuros, mas se for preciso enfrentamos e mostramos aos filhos que eles existem. Descobrimos nesse processo de educar que para mantermos mais saudáveis nossas emoções, precisamos de um certo distanciamento de algumas coisas, pelo menos até eles terem certeza em qual lugar no mundo eles querem estar, nós pais por ora queremos estar ao lado deles, viver cada dia sem correr para o dia seguinte, sem pressa que lhes chegue a adultez, cada instante com eles é grande tanto, é tão bom e tão desafiador, cada vez que abraço meus filhos sinto o amor latejando entre nós, imaginem isso vivido intensamente durante quatro anos, é gratidão. 

Acredito que sempre precisamos de um outro para irmos além de nós mesmos, foi isso que nossos filhos fizeram: nós levaram além.

Somos imensamente gratos por tudo o que temos vivido, a mansidão e as turbulências, as certezas e as dúvidas... um sentimento completando o outro.

Nossa gratidão é um recado de amor escrito a quatro mãos (e outras tantas) para Deus, para o universo, para a vida passada e futura.






Escolhas



Querer criar galinhas no quintal de casa, fazer seus próprios brinquedos, seu alimento, fazer festa de aniversário infantil com bolo integral, frutas, sem refrigerantes e sem balas, bandeirinhas pelo quintal, com gente de pés descalços, sem presente algum, trazendo nas mãos apenas a vontade de estar junto. Nenhuma menina vestida de mini adulta ou de "princesa da Disney", nenhum menino com a roupa do homem de ferro ou armas de brinquedo, as fantasias todas feitas a mão e por eles mesmos. O parabéns pra você cantado em uma dança circular com o aniversariante e sua família ao centro da roda recebendo todo o afeto direcionado a eles, os adultos sem preocupações de que as crianças se machucassem nos brinquedos modernos (eles não existiriam nessa festa), a brincadeira construída: corrida do saco, bolha de sabão, caça ao tesouro, esconde esconde, amarelinha, pega pega, pintura, modelagem, cantos e danças. Sem lembrancinhas com balas, doces e brinquedos, a lembrança poderia ser algo construído pelo aniversariante, ou: nada, a não ser um abraço caloroso e a memória afetiva daquele momento. Nenhuma monitora responsável pela maquiagem ou pintura nas unhas das meninas, as meninas com roupas confortáveis e de criança para subirem nas árvores ou correr, correr e correr.




Acredito num mundo onde as crianças pareçam crianças, se sujem, brinquem, corram, pulem, subam em árvores, se machuquem, consigam passar uma tarde brincando juntas sem celulares e sem brinquedos eletrônicos, crianças capazes de suportarem as frustrações sem ganhar nada em troca por conta disso, acredito numa escola que não ofereça recompensas (pirulitos, balas, brindes) só por que a criança fez o deveria ter feito, creio num mundo onde os pais tratam as crianças como crianças sem se preocuparem precocemente com o vestibular que seus filhos farão, "ninguém nasce pra fazer vestibular, a gente nasce pra ser feliz" (filme Tarja Branca), claro que quero que meus filhos e todas as crianças do mundo cheguem a universidade, o conhecimento adquirido é importante e transformador. Acredito numa educação e numa pedagogia holística em um dos mais amplos sentidos que se pode dar a essa palavra. Desenvolver desde criança os pontos de vista:  físico, anímico e espiritual, de forma progressiva e afetiva, cultivando o AGIR, o SENTIR e o  PENSAR, explorando o sensorial, o emocional e o pensamento concreto, para mais tarde explorar com facilidade o abstrato. Viver e sentir para depois pensar sobre o que se viveu e sentiu.




Conversando com a mãe de uma colega da minha filha ela me disse: "vocês ainda não foram para a Disney com essas crianças menina, tão esperando o quê?? daqui a pouco é tarde, eles vão perder o encanto pelas princesas, pelos personagens, vai ficar tudo mais chato, por favor, providencia isso, principalmente para a Raquel, ela é uma menina, vai enlouquecer com o castelo, tu vai ver como ela vai ser mais feliz..." Eu educadamente (as vezes queria ser menos) lhe respondi que tinha entendido sua opinião se ela não tivesse acrescentado que minha filha "seria mais feliz" se fosse para a Disney, lhe disse também que eu nunca tinha ido para a Disney e que meus pais mal sabiam que já existia o Mickey e toda a sua trupe, que eu nunca tive nenhuma das princesas e que nunca fui infeliz por isso, na verdade, do que eu gostava, quando criança, era de brincar de fazer comidinha de barro e mato com a minha irmã e de descer de carrinho de lomba com meus irmãos num morro que tinha perto da nossa casa. Ela ficou meio desconcertada, mas insistiu: "eram outros tempos Rosane, pelo amor de Deus, que criança ainda faz comidinha de barro?" Eu: as minhas!! Ela deu um sorriso amarelo e completou: "desisto de ti!" 
Fiquei pensando se eu seria uma pessoa de se desistir, o que estaria atrás dessas palavras? 
Claro que meus filhos não vivem apenas no meio do mato, nem tão pouco só brincam com barro e folhas, eles têm acesso a tecnologia sim, vamos em shopping (muito pouco), comemos bobagens (as vezes), eles conhecem os personagens da Disney (de passagem) e nem gostam muito deles, assistem TV (mais músicas do que filmes e desenhos), mas ainda não foram para a Disney, talvez irão, não sei, preferiria fazer uma safári na África ou explorar a Patagônia. Acontece que cada pai, mãe, vó, tia ou qualquer outro membro da família educa e pensa de um jeito, somos todos pensantes diferentes e não seria capaz de dizer a ninguém: "eu desisto de você".
Acho que ninguém, ou quase ninguém, tem a intenção de educar uma criança para a infelicidade, o que ocorre é que temos conceitos diferentes da FELICIDADE.






Oferecer aos filhos um punhado de galhos de árvores para que eles construam um material de contagem e de cores frente a tantas ofertas desse material no mercado, modelos lindos, incríveis, duradouros e coloridos parece coisa de "pais bicho grilos" e para os olhos de algumas pessoas seus filhos não evoluirão nesse mundo competitivo e rápido que é o nosso. Mas de verdade AGORA eu não penso muito em concorrências ou progresso, penso mesmo que é hora de aprender brincando, construindo e criando, e se puder fazer tudo isso sem prejudicar a vida na terra e suas espécies, muito melhor. Os elementos naturais trazem um lado sensorial maravilhoso para quem lida com eles, têm cheiro, textura, formas diferentes e são lindos, temos muito pelo nosso quintal e pomar, eu seria uma tola se não os explorasse. Fazemos nossa própria massa de modelar, com mais textura e mais cheirinho, só para exercitarmos os sentidos do corpo e da alma, construímos nossas fantasias e chapéus, alguns brinquedos e bolas, fizemos nosso próprio sabão para as bolinhas de espuma e não fazemos isso para "poupar dinheiro", se bem que isso também é importante e pensado, mas não é nosso primeiro impulso, o que esperamos com isso é que nossos filhos valorizem mais o fazer junto, o afeto e respeito que isso envolve. 






A brincadeira preferida por aqui é se sujar nas poças de lama que se formam pelo pomar depois de um dia de chuva, o prato preferido não é o do fast food famoso, o lugar preferido é lá fora no meio das árvores e do lado da cachorrada se rolando no chão e dando beijo em todos, a viagem sonhada não é pra Disney, as vezes a viagem mais desejada é ir na casa da vó, essa sim tem um valor enorme e é capaz de nos deixar mais felizes, somos assim, em especial: eu sou assim, mas não julgo como errado o jeito que cada um escolhe para educar os seus, apenas acredito no que nós escolhemos, na verdade sem nenhuma certeza absoluta e imutável de que seja o melhor, por ora é esse o caminho que queremos caminhar, errando, acertando, experimentando e colocando REPARO NA VIDA, na nossa e na dos outros, todos os outros: humanos, animais, vegetais, enfim todas as espécies. Tentamos educar nossos filhos para um mundo de amor e de respeito, porque acreditamos no amor e no respeito.
 


 







E muito diferente o que você sente do que a sociedade acha que você tem que sentir, o importante é olhar para dentro de si, sem tanta culpa, sem tantas amarras e apegos a aquilo que nem acreditamos.


Grata pelo carinho, respeito e por vocês estarem aqui.


O amor cura antes mesmo de se diagnosticar as feridas




3 de maio de 2016




Eu não sabia muito bem por onde começar a escrever esse texto, tinha medo, pois entre quem escreve e quem lê existe um distanciamento, falta o olho no olho, e nesse vazio podem se estruturar rótulos, interpretações erradas e até mesmo expectativas falsas, mas precisava escrever, quando escrevo as palavras saem de mim, dão a volta no mundo, ecoam e voltam transformadas, ou ainda mais: melhoradas. Pois bem, passei um café e cá estou de coração aberto.
Nosso filho, o Enzo, não se adaptou a escola, tentamos, por vinte dias, levá-lo, acompanhá-lo, incentivá-lo, a escola por lá fazendo sua parte, percebo que as escolas de um modo geral estão despreparadas para o "diferente" ou para o ainda não vivido, os profissionais têm pouco manejo e muita falta de conhecimento. Ele voltava da escola entristecido e meio assustado. Cada vez que eu ia buscá-los ele corria para meus braços me abraçava forte e dizia meio suspirando: "a mãe me buscou, a mãe me buscou!!" Dizia isso com alguém que estava com medo de que isso não fosse acontecer: "o buscar". Eu chorava escondida, pois sentia que ele estava sofrendo.
Nosso pequeno sempre teve um desenvolvimento normal, andou no  tempo esperado, falou no tempo esperado, sorria muito, se comunicava com olhares, choros e balbuciou, olhava-nos nos olhos, sempre nos chamou atenção sua afetividade, ele é extremamente afetivo com todos, sem distinção.
Percebíamos que nosso filho se diferenciava em alguns aspectos: aprendeu o alfabeto (em português e inglês) com dois anos e três meses, as cores, as formas, os numerais vieram logo em seguida, também nas duas línguas, hoje aos quatro anos ele fala e sabe o significado de mais de cem palavras em inglês, reconhece cores, números, letras, formas, canta centenas de músicas, reconhece e nomeia corretamente objetos que nós adultos as vezes nem sabemos pronunciar, fala as palavras de forma correta, os plurais, é educado, usa as palavras de gentileza com todos, AMA incondicionalmete os animais, sua "cachorrada" então... corre, dança, pula, etc, no entanto se recusa a deixar a mamadeira, essas coisas me chamam atenção, pois além de atenta já trabalhei com educação e desenvolvimento infantil por tanto tempo e tive dez anos de aprendizado e envolvimento na área da educação especial. 
Construímos um ambiente propício para o desenvolvimento tanto dele quanto da nossa filha Raquel, desde que eles chegaram há quase quatro anos minha dedicação a eles é total, realizamos muitas coisas, principalmente na área das artes: visual, música, teatro e dança, também e com total importância falamos muito sobre o planeta e tudo o que nele vive: todas as espécies, sem distinção, sem esquecer nenhuma, da formiga ao ser humano, tudo e todos são respeitados por nós, as letras e todo o resto vieram junto, essa é a nossa melhor parte: brincamos e aprendemos em meio as tintas, as músicas e a natureza. No meio de tudo isso íamos percebendo que o Enzo se diferenciava de algumas crianças da mesma idade que ele, cientes de que cada um se desenvolve de um jeito e no seu tempo, levamos isso em conta sempre, mas haviam algumas coisas que nos chamavam a atenção, principalmente em seu desenvolvimento psíquico, enquanto seu lado intelectual avançava de forma surpreendente, percebíamos que alguns aspectos básicos do desenvolvimento infantil pareciam ser mais difíceis para ele, como por exemplo: vestir-se sozinho ou escovar os dentes, ele não apresenta dificuldade motora, mas não se concentra no fazer e a ansiedade impedi que realize essas coisas com exito e acaba se frustrando. Observamos também que sua linguagem apesar de rica em vocabulários, se restringe em alguns momentos, de novo a ansiedade, e acaba repetindo frases aleatoriamente, além disso o seu interesse específico por determinadas coisas: música, instrumentos musicais, livros, máquinas de todos os tipos (aparelhos eletrônicos a eletrodomésticos) nos intriga. O que de fato me deixa mais preocupada é que ele faz muito pouco a brincadeira simbólica, a exploração do brinquedos é mais especulativa, a curiosidade comanda o brincar, por outro lado ele explora o simbolismo e brinca muito quanto nos fantasiamos de outros personagens, basta colocar um chapéu e a brincadeira começa de forma linda e criativa. Tudo isso e mais nos levaram a procurar um neuro pediatra, queríamos investigar e descobrir o "porque" das coisas. Estamos nesse processo e tentativa há um ano, já ouvimos neuros, psicólogos e psicopedagogos, infelizmente aqui em Caxias do Sul, (não posso generalizar) mas nos profissionais que fomos nos pareceu claro um despreparo para lidar com o que nosso filho vinha apresentando, o atendimento está meio programado no piloto automático e a resposta é: 'medicamentos!!" não que isso seja descartado, mas precisamos de um diagnóstico mais preciso ou o mais próximo possível do real, fomos então consultar profissionais de Porto Alegre e foi como se uma luz acendesse em nós, uma neuro pediatra muito capacitada e experiente nos indicou caminhos, nada rígido e tão pouco um diagnóstico preciso foi apresentado até agora, pois o comportamento do Enzo não se encaixa em nada 100%, ou seja, ele tem algumas atitudes que se encaixam no espectro autista (asperger) por exemplo, mas por outro lado sua afetividade e sua autonomia não se enquadram nesse diagnóstico. Seguimos investigando e procurando respostas, estamos sendo assistidos por duas profissionais da Porto Alegre e uma daqui, pessoas nas quais acreditamos e percebemos um conhecimento que vai além dos livros. Já se pensou em tudo e de tudo: transtorno de ansiedade, asperger, transtorno por separação (nesse caso da mãe) por toda a sua vivência intra uterina e pós concepção que foi traumática e marcante, já pensamos em hiperatividade, enfim muitas coisas foram cogitadas, mas nada concluído. Ele tem uma memória invejável, se apropria do conhecimento com uma facilidade gigante, mas essa memória também tem seu lado negativo, pois parece que ele reviveu o trauma do abandono inconscientemente ao ficar na escola, desde lá ele não tolera frustrações, por vezes ele parece um menino sem limites, mas não é, (pausa, suspiro...). Já enfrentamos algumas situações de difícil manejo com ele em lugares públicos ou mesmo em casa, mas preciso e devo lhes contar: O AMOR SALVA, CURA E RESTAURA ELE E NÓS, e por mais que eu já tenha escrito, é aqui que inicio meu texto de verdade, é aqui que começo escrever as palavras que me norteiam e que me transformam todos os dias. Ainda não sabemos bem por onde ir, para onde ir, mas temos certeza que estamos a caminho do melhor, tenho ao meu lado um marido e pai maravilhoso que aprende, cresce e se apropria comigo das coisas que a vida nos lança, sou imensamente grata pela família que tenho, todos (avós, tios, primos...) amam incondicionalmente meus filhos e isso é tudo. O Enzo é um menino incrível, muito feliz e amado, nos ensina todos os dias, nos dá lições que nunca aprenderíamos sem ele, me motiva particularmente a ser uma pessoa melhor. Ouvi isso de uma das profissionais envolvidas conosco nesse processo todo: "talvez ele não tivesse se desenvolvido tão bem até aqui, se não fosse o amor, a dedicação e os estímulos dados a ele por vocês..." e mais: "penso eu que vocês o ""salvaram"" de um possível autismo, e as lacunas existente nele agora foram constituídas e estruturadas antes dos oito meses, antes de vocês o tê-lo". Guardei comigo a parte do AMOR, pois sei bem que atrás ou dentro dele está todo o resto. Não quero  pensar que o salvamos de nada, mas que o amor salvá-nos de tudo. Este ano eu ia reabrir meu atelier, escrever meus livros, fazer minhas ilustrações, voltar a dar aulas, voltar a dançar, sair mais, escrever mais, desenhar mais... e cá estou eu AMANDO mais, aprendendo mais, me dedicando mais a missão do momento, sou dessas que encaro as coisas de peito aberto, choro sim, para aliviar o peso das cargas, mas não enfraqueço e muito menos desanimo, pelo contrário, nas adversidades que me reconheço, acredito na letra de uma música do Milton Nascimento: "só o tempo vai me revelar quem sou", é isso: o tempo e a vida me revelando quem tenho que ser agora, por ora, por hoje, amanhã e depois é outra vida, outra página, outro livro, vou vivendo aquilo que o universo e que Deus me reservam, sem lamentos, sem reclames. Só o tempo e eles, os meus filhos podem revelar quem sou por agora, Enzo e Raquel não chegaram por acaso, vieram porque tínhamos um encontro marcado, o mais lindo de todos que já vivi.
Das coisas que tinha me programado para fazer, voltei somente para a dança, através dela me conecto comigo mesma, e percebo que não sou mais apenas uma, sou muitos. Sou tão grata por tudo o que tenho e por poder ser a mãe que sou, erro muito, acerto as vezes, aprendo muito, ensino as vezes. Lembro bem do dia que buscamos nossos filhos, lembro que era quase certo de que o Enzo seguiria pelo resto da vida tomando medicamentos para asma, bronquite, etc... pois ele não toma nada, raramente adoece, a gripe passa longe dele, é extremamente saudável, se alimenta muito bem, tem o sorriso mais largo e lindo que conheço e me faz amar da forma mais larga e linda que sei.  Pode ser que não seja nada e que emocionalmente as coisas se organizem e ele acabe superando tudo isso com um acompanhamento psicológico, pode ser que seja algo que precise de medicamento, pode ser que precise de tudo isso junto, pode ser isso ou aquilo, ou ainda outros issos ou nada disso......... Algumas pessoas me disseram que ele pode ser uma criança índigo, estudando isso também....... Não tem sido fácil viver com esse turbilhão de coisas, mas não me lembro ter pedido facilidades nessa ou em outra vida, me recordo de pedir felicidades, e com infelicidades no meio, sou muito feliz! 

O Lado B da Vida









Tarefa nada fácil preservar e estimular os sorrisos e o brilho nos olhos dos filhos, esse jeito saudável e alargador, além de ser um presente de Deus e do universo, tem o dedo de mãe e de pai, ou melhor, tem o corpo e a alma dos pais. Meus filhos raramente ficam doentes, acho que em 2015 fui apenas uma vez num plantão médico por causa de uma alergia do Enzo... sorte? Pode ser, um pouco, mas são dias e dias de cuidado com a alimentação, com o brincar, com o saber e viver de todos nós.
Caminhamos pela grama descalços, sentimos seu toque suave, seu frescor e esquecemos a trabalheira que deu e que dá para mantê-la assim. O universo, além de prover, ele sopra, mexe, remexe, conspira e nos carrega pra muitos caminhos, não vivemos e nem podemos viver a revelia de tudo, o amor, a força, a união, a felicidade não caem do céu bem encima da gente!  Lemos um livro e avaliamos o final, vemos uma bela casa construída e pensamos o quanto deve ser bom e "melhor" viver nela. Enxergamos o lado A da vida de alguém e pensamos: "que P E R F E I T A, como Deus e o universo foram  generosos com ela". A gente tem por costume esquecer do caminho e julgar só a chegada... Recebo alguns emails de pessoas que nem conheço pessoalmente, a maioria delas me conhece pelas redes sociais. Antes do final do ano recebi um que me parabenizava pelos filhos, pelo jeito de eu levar a vida, etc e etc. Li umas cinco ou seis vezes a palavra "perfeita", acrescida das palavras vida e maternidade, fiquei pensado nesse "resultado final" da vida que a gente compartilha com o mundo por aqui e por ali. Pois bem, pra se chegar a ele dou conta de muito trabalho, a vida e a maternidade não são perfeitas, mas me trazem resultados felizes, e pra se chegar neles... ah, quanto caminho para percorrer. Fazem três meses que não tenho nem faxineira pra me ajudar com a casa, a minha foi morar em outra cidade, ainda não consegui substituí-la. Eu lavo, estendo, passo, varro, lavo, seco, limpo, esfrego, lavo, estendo, passo, cozinho, limpo outra vez, recolho cocô de cachorro lá fora, organizo brinquedos, organizo papeis, cuido do jardim, cuido do pomar, cuido dos filhos, cuido dos cachorros, cuido de mim,cuido dos outros, cuido da vida... tudo isso com a ajuda do marido (que também trabalha fora).  As vezes olho para o cesto de roupas e acho que nunca mais vou conseguir esvaziá-lo, corro atrás dos filhos, tento brincar o máximo possível, ensiná-los os valores importantes, nutrí-los de saberes e de vivências sociais, culturais, artísticas e humanas, todos os dias tem bronca, as vezes bem séria,  as vezes nem tanto, e é um tal de: ajunta aqui, guarda ali, pega lá, escuta a mãe, escuta o pai, ESCUTA O OUTRO, escuta a vida, põe reparo nela e em todos que te rodeiam: humanos, animais, vegetais e tais... é bem assim que é o lado B da vida: de LUTA.








Lembro quando mostrei o filho menor comendo sozinho pela primeira vez, uma foto linda, feliz e emocionante, pois é, mas pra se chegar ali foram inúmeras tentativas, com choros, com incentivo, com risos, com bronca, com limpa aqui e acolá, e esse processo continua: ajuntando arroz, farelo e sucos derramados no chão... nada fácil essa maternidade, nada de perfeitos esses pais que choravam juntos por não conseguirem tirar as fraldas do filho que já estava com três anos, sem contar o acompanhamento no processo escolar da filha, nas dores que a infância traz, nas escolhas difíceis que são necessárias, nas horas de sono perdido, na batalha que é educar os filhos para o bem deles, dos outros, para o nosso bem e do planeta, pois é, parece perfeito a mãe fazer pão, comida saudável, correr pra feira as 6 da manhã, cuidar da horta e do pomar, mas há os "entretantos" e são tantos. Há poucos dias fiz picolé de manga, abacaxi e limão, ficaram lindos e deliciosos, todos amaram, fiz com uma afeto enorme e com aquela vontade de ser feliz (necessária pra nos manter vivos), mas lembro de olhar para toda aquela sujeirada na cozinha e pensar: seria bem mais fácil ir ali no Pedro (mercadinho perto de casa) e comprar tudo prontinho, mas não é assim que sou, gosto do fazer, gosto que meus filhos e marido façam, construindo juntos sabemos avaliar melhor e com mais sabedoria o quanto viver conforme algumas escolhas não é tarefa fácil. A vida aqui anda a mil por hora, as vezes o coração tá na boca, as borboletas no estômago, mas outras vezes a lágrima está nos olhos, a dor está no corpo e na alma, é aí que a vida pega, é aí que de verdade faremos a prova, o teste de resistência pra se viver nesse mundo de meu Deus. Aprendi a viver de peito aberto, sem muito descanso, colocando reparo nas lindezas que se manifestam no caminho e tentando driblar as feiuras que fazem parte da nossa condição humana. Sim, eu tenho filhos lindos, bem educados, inteligentes, sensíveis, mas é luta diária tentando passar pra eles o que realmente importa... sim eu tenho uma casa boa, iluminada, feliz, mas é luta diária de acordar cedo e dormir tarde... sim, eu tenho um marido parceiro, amigo e amante, mas é luta diária para manter isso vivo... sim eu amo cozinhar, inventar, fazer pão... mas é luta diária de reinventar tempo pra isso... sim eu crio, pinto, desenho, restauro, construo com e para os filhos ou sem eles e sem ser para eles, mas é luta diária.







Precisei abrir mão de algumas coisas pra me entregar a maternidade, a educação dos filhos e a casa, não me arrependo de nada, não lamento nada, eles estão bem, todos estamos bem, nesse ano volto a fazer algumas coisas que deixei pra trás, e volto mais feliz, com mais bagagem, mais vontade, com mais sabedoria e com mais amor. É isso, a vida tem tantos lados: A, B, C, D, somos muitos em um só, somos o resultado das escolhas feitas por nós e daquelas que nem podemos escolher, só viver... e vivemos tantas coisas: perfeitas ou não, felizes ou não...ainda assim VIVEMOS, não tem outro jeito, eu danço os ritmos que o universo me dá, mas saibam: faço minhas melodias, meu ritmo, luto, luto e luto... não fico aqui sentada esperando a vida passar e me trazer a felicidade numa bandeja de prata! E justamente a maternidade foi um dos processos mais difíceis, foram longos dias de três anos esperando meus filhos chegarem (nascerem).








Feliz tudo pra vocês tudo!



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